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Aqui estou, Sr. Inverno!



"sou veterano de cem vigílias, sou tapejara de mil insônias"


Já sei que chegas, Inverno velho! Já sei que trazes - bárbaro! O frio e as longas chuvas sobre os beirais. Começo a olhar-me, como em espelho, nos meus recuerdos... Olho e sorrio como sorriram meus ancestrais. Sei que vens vindo... Não me amedrontas! Fiz provisões de sábias quietudes e de silêncios - que prevenido! Vão-se-me os olhos nas folhas tontas como simbólicos ataúdes rolando ao nada do teu olvido. Aqui me encontras... Nunca deserto do uivo dos ventos e das matilhas de angústias vindo sem parcimônias. Chega ao meu rancho que estou desperto: - sou veterano de cem vigílias, sou tapejara de mil insônias. Aqui estarei... Na erma hora morta, junto da lâmpada, com que sonho, não temo estilhas de funda ou arco. Tuas maretas de porta em porta, os teus furores de trom medonho não trazem pânico ao bravo barco. Na caravela ou sobre a alvadia terra do pampa - cerros e ondas meu tino e rumo não mudarão. No alto da torre que o mar vigia, ou, sem querência, por longas rondas, não me estrangulas de solidão. Tua estratégia de assalto e espera conheço-a muito, fina e feroz: de neve matas; matas de mágoa; derramas nalma um frio de tapera; nanas ausências a meia voz e os olhos turvos de rasos d'água. Comigo, nunca... Se estou blindado! Resisto assédios, que bem conduzes, no legendário fortim roqueiro. Brama as tuas fúrias de alucinado! - Fico mais calmo que as velhas cruzes braços abertos para o pampeiro. Os meus fantasmas bem sei que animas para, num pranto de vãs memórias, virem num coro de procissão trazer-me o embalo de velhas rimas. - À intimidade dessas histórias tenho aço e bronze no coração. Então soluças pelas janelas, gemes e imprecas pelos oitões, galopas louco sobre as rajadas, possesso, ululas entre procelas. E ébrio, nas noites destes rincões lampejas brilhos de punhaladas. Inútil tudo! Vê que estou firme. Nenhum receio me turba o aspeto, nenhuma sombra me nubla o olhar. Contigo sempre conto medir-me frio, impassível, bravo e correto como um guerreiro que ia a ultramar. Reconciliemo-nos, velho Inverno! Nem és tão rude! Tão frio não sou... Venha um abraço muito fraterno.


Olha...

Esta lágrima que rolou não a repares...


É de homenagem

a alguém que aos céus se fez de viagem, e nunca... nunca! Nunca mais voltou...


Aureliano de Figueiredo Pinto*


*Expoente maior da poesia regionalista gaúcha. Médico, poeta e romancista nascido em Tupanciretã, santiaguense 'de coração'.


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