CRIMES NA INTERNET
Por Adeli Sell*
Estava sentindo a necessidade de ler, estudar, pesquisar e falar sobre a Internet e o Direito, em especial sobre os crimes cibernéticos. Agora, depois de ler "INTERNET E DIREITO PENAL - Risco e cultura do medo”, de Emerson Wendt, nosso Chefe de Polícia**, me senti obrigado a escrever e resenhar o livro.
O livro é fruto de sua tese de mestrado na Unilassale de Canoas; numa edição deste ano de 2017, pela Livraria do Advogado. Caminha para se tornar um clássico. Mesmo com o aumento destes crimes, pouca produção teórica foi realizada e ainda são parcos os processos.
Os crimes são muitos por percepção minha e pelos apelos que recebo para tratar do tema, mas os dados, porém, são precários. Desconfio que estes ainda sejam pouco confiáveis. Afinal de contas precisamos de mais penas, mais lei penal, ou de educação e cultura para o uso adequado da Internet? É o que alguns defendem: mais penas para o que se posta de forma irresponsável, para que o que se abre de ataques nas redes sociais, seja no caso de um e-mail que vem com "uma pegadinha.
O problema é real. Novos leis hão de advir, mas usar o que temos nos parece de “bom tamanho”. O objetivo do trabalho-pesquisa de Wendt é trazer à luz o grau de confiança que os usuários de internet tem nos serviços que utilizam. Sabemos que a Internet tomou conta do "mundo plano" (Thomas Friedman), o medo é instantâneo como o risco também, mas a sensação de insegurança não será maior do que a realidade?
Risco e medo de alguém capturar sua senha e sua conta, depois de uma compra "on line”, feita com cuidado e responsabilidade é pequena, mas há outros riscos como mandar consertar um computador como fez Carolina Dieckmann e teve sua nudez exposta, mesmo que tenha se negando a posar para a Playboy. A mídia no caso jogou holofotes, fez manchetes bombásticas, mas ficam numa zona cinzenta casos mais graves de ameaças de morte, mortes de meninas expostas a escândalos e vergonha.
Ou alguém já esqueceu o caso da mulher linchada no Guarujá, depois de uma “mera postagem”, Wendt leu e pesquisou o tema, além de já ser um profundo conhecedor do Direito Penal, seguindo e citando o falecido professor Luiz Luisi: "E sobretudo temos um objetivo certo e definido a alcançar, como todos os amantes da liberdade, que é o de ajudar a construção de um mundo onde o homem não seja o lobo do homem, mas o irmão, o semelhante, a pessoa portadora de direitos inalienáveis".
A Lei nº 12.737 de 2012, conhecido como LCD, Lei Carolina Dieckmann, para Wendt não foi a mais adequada; não foi e não é solução para os problemas de indeterminações tecnológicas na rede; não ataca seus riscos e medo.
A pressão da mídia como o senso comum é sempre pressionar para criar novas leis, mais leis, para preencher lacunas (mesmo não sabendo quais nem quantas) de qualquer jeito, criminalizar, penalizar, e muitos, mas muitos mesmo querem tirar o escalpo do outro, com dores e sofrimentos.. Mas comete às vezes coisas iguais ou piores. Na atualidade pensar para doer...
As pessoas se esquecem das lições de “O Alienista”, de Machado de Assis, onde o médico, que queria prender todo mundo, acabou ele mesmo sendo preso pelas mesmas razões que queria os outros presos. Onde ficam a legitimidade e a proporcionalidade? Criminalizar por atacado, como nos falava Luiz Luisi.
Estamos na era das leis penais simbólicas, que, regra geral, restam inúteis. A insegurança que vivemos no mundo real e virtual se espalha como toxina na verborragia fácil e incriminadora. A insegurança e crueldade sem limites se veem nas pessoas decapitadas nos presídios, cujos apenados estão sob tutela do Estado, que deveria ser protetor, mas naquele espaço não mais existe lei amarrada pelos liames da Justiça nem do Estado, existe o Estado das Facções Criminosas, “a lei do mais forte”, a Lei do Talião.
Estas mazelas não serão extirpadas com mais leis e mais prisões. Ali, o crime passou de um ataque ao bem da vida, para se tornar um crime de cunho essencialmente econômico, não está no livro, mas para quem leu “Ilícito”, de Moisés Naim, sabe do que estou falando, “o crime compensa”. E depois deste livro, deve-se ler Lucros de Sangue, de Vanessa Neumann, para saber que o crime anda em todos os lugares e sempre tem seus canais comunicantes. Até muçulmanos traficam, como é o caso dos assassinos do Estado Islâmico, mas jamais podemos fazer tábula rasa com um credo ou uma religião ou com uma etnia.
Os crimes cibernéticos não serão resolvidos apenas pelo Direito Penal. E como a Internet é fundada na liberdade, temos que buscar outros meios de resolver os dilemas postos, sem fugir do respeito ao Direito e à Justiça. E com aplicação da Lei Penal, e o que temos hoje no Código Penal e no de Processo resolve parte de nossos dilemas. E daí?
Wendt pesquisa bravamente por essa mesma Internet e usa seu questionário naquele potencial que o Facebook e o Google podem lhe oferecer. Consegue dados nacionais e em número razoável e aceito dentro dos preceitos para pesquisas, para os ditames de nossas ciências sociais.
Como a Internet chega à metade da população brasileira poder-se-ia duvidar de tal pesquisa. Porém, ela alcança um número razoável de pessoas que são expressão da média, do pensamento padrão do povo, e dos que de fato usam e usam muito, as várias mídias para se expressar e para praticar crimes.
Parecem-nos bem plausíveis os dados, porque "batem" com nossas experiências cotidianas e vivências. Mais de 80% veem risco no uso da Internet; mais de 50% sentem medo. Mas querem mais leis, penais ou outras leis, mesmo desconhecendo o atual arcabouço jurídico nacional e o alcance da legislação existente, isso tudo depois da LCD e do Marco Civil da Internet, dos vários projetos incriminadores como o do senador Azeredo, conhecido como o AI-5 da Internet. Mais de 90% querem regulamentação, mais mecanismos de prevenção a riscos.
O Direito não acompanhou, apesar de ter mecanismos que poderiam e podem ser usados, para resguardar a pessoa das lesões a seus direitos. Nem vai acompanhar, pois as mudanças sob quase da velocidade da luz: porém a linha correta das lutas das pessoas, da sociedade não é por mais penalizações, por "outras penalizações", quando deveria ser por um vivo e dinâmico processo de educação, preparo cultural do usuário e dos cidadãos em geral, entendendo a diversidade geográfica e cultural do país, quando aqui nos queixamos da falta de banda larga, da morosidade dos acesos, temos que entender que aqui uma criança tem o último modelo de celular na mão, sem ter sido alertada para a arma que pode ser este belo instrumento de inclusão; doutra parte, temos os moradores dos fundões do Brasil onde há pouco, nem energia chega. Logo, não tem rede social. Mesmo que tenha chegado o sinal de Internet ainda é um sonho para quem viu na TV um modelo de celular...
Estamos diante de elementos essencialmente comportamentais. E os riscos que corremos por não atentar a certos valores, a procedimentos claros, serão evitados e corrigidos por comportamentos. E nos casos de risco, repetimos, temos mais do que um aspecto para possível uso da Lei Penal, temos crimes eminentemente econômicos, pois o ditado de que o crime não compensa foi posto à prova e compensam em muito os aspectos do lado econômico.
Regra geral é o foco do crime aparente, mas muitos deles não existiriam se não houvesse empresas bandidas. Onde e como anda a Lei Anticorrupção para a relação empresas-poder público? Onde e como anda a Lei de Acesso à Informação? E os Portais de Transparência que não são transparentes? Como anda o “compliance” no Brasil?
Há crimes na Internet porque eles movem dinheiro, recursos para enriquecimento de alguns em detrimento de outros, para crimes de terrorismo e tudo o mais.
Caminhou bem a pesquisa do delegado Wend. Que venham outros com a mesma garra em pensar e dar algum norte para o combate ao crime cibernético.
*Adeli Sell (foto) é acadêmico de Direito e vereador (PT/Porto Alegre-RS).
(Nota: este artigo foi escrito em meados de 2017** e reescrito em 12.07/2019). -Enviado ao Editor do Portal pelo autor.