Crítica & Autocrítica - nº 136
Cabeça de Porco - Resenha
Por Júlio Garcia**
“Cabeça de Porco tem uma dupla origem; é uma espécie de estuário de duas fontes: uma longa pesquisa realizada em diversos estados brasileiros por Celso Athayde e MV Bill, sobre os jovens na vida do crime e suas razões, sobre a dimensão humana destes jovens; e um conjunto de pesquisas e registros etnográficos conduzidos por Luiz Eduardo Soares, nos últimos 7 anos, sobre juventude, violência e polícia”. Essa é a nota de abertura de ‘Cabeça de Porco’ – Editora Objetiva Ltda, RJ/2005 (uma das obras indicadas para os alunos do 7º Eixo da Faculdade de Direito/Uniritter), livro escrito a ‘seis mãos’ pelos autores acima citados.
Na linguagem praticada pelos jovens das favelas cariocas ‘cabeça de porco’ significa beco sem saída, confusão. Pois a intenção do livro, conforme informam seus autores, não é apenas denunciar, mas “apontar saídas”, mostrando a realidade nua e crua das crianças, adolescentes e jovens que estão hoje, de maneira cada vez mais crescente, envolvidos no chamado ‘mundo do crime’ – não só nos morros do Rio de Janeiro, mas em praticamente todos os estados brasileiros.
O trabalho produzido por MV Bill (um dos mais famosos rappers do país, com intensa participação no movimento hip-hop, detentor de prêmios internacionais pela qualidade e politização de seu trabalho); por Celso Athayde (um dos fundadores da Central Única das Favelas e conceituado empresário de rap e hip-hop) e Luiz Eduardo Soares (mestre em Antropologia, com pós-doutorado em Filosofia Política, ex-Secretário de Segurança do RJ), na avaliação de Gildo Marcas Brandão, professor do Departamento de Ciência Política da USP “revela raro talento de ligar o particular ao geral, sem dissolver a dor do primeiro na frieza analítica do segundo. O livro combina, como poucos, reflexão, sensibilidade e solidariedade humana”. Na mesma linha, segue o comentário do dramaturgo Domingos de Oliveira: “Este livro lança luz inédita sobre a gravíssima questão da segurança. Indicando soluções surpreendentes e críveis, o livro une delicadeza e coragem, ira e lucidez, potência e impotência. Fazendo-nos assim crer na possibilidade do impossível. Ninguém foi tão longe no assunto”.
Ao final da ‘apresentação’ do livro, um alerta é lançado pelos autores: “Tudo o que está aqui (no livro) aconteceu mesmo. Acontece toda hora, e não apenas nas capitais mais ferozes. (...) Já não é absurdo supor, no Brasil, a configuração de uma subcultura, de dimensões nacionais, especificadamente ligadas ao mundo da violência, com valores, rotinas, linguagens e símbolos próprios”. (...) “O inferno está perto de nós, é verdade. Mas há saída, sim. Basta olhar de perto e sentir o sopro de humanidade que vibra sob a máscara dos monstros. Nós não gostaríamos que este fosse considerado um livro sobre o crime e a violência, melancólico e bonito como flores na sepultura. Desejamos que ele seja lido e usado como uma ferramenta cheia de vida a serviço da construção das saídas”...
–Escrevi esta Resenha no [nem tão!] distante ano de 2007... há onze anos, portanto.... Mas, como vemos, está mais atual do que nunca... e a construção das saídas necessárias ... cada vez mais distantes. Para refletir... Deixo aqui minha [modesta] indicação de leitura. (Júlio Garcia)
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**Advogado, Pós-Graduado em Direito do Estado, Assessor Parlamentar, Midioativista. Foi um dos fundadores do PT e da CUT. - Publicado originalmente no Jornal A Folha (do qual é Colunista), em 31/08/2018.