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Vida de gado, povo marcado, povo feliz


Por Igor Fuser*


Meus amigos e amigas torcedor@s verde-amarel@s, não me levem a mal, mas para mim é impossível torcer pela Seleção Brasileira. Estou sofrendo demais com a realidade do mundo verdadeiro.


O petróleo do pré-sal, a maior riqueza natural do nosso país, está sendo roubado pelo capital transnacional. Na calada da noite, os traidores da pátria estão entregando esse tesouro de trilhões de dólares, bloco após bloco, a preço vil. A pilhagem mais escandalosa em toda nossa história está acontecendo justamente por estes dias, embalada pela trilha sonora das buzinas, das vuvuzelas, dos gritos eufóricos da multidão hipnotizada pela Copa.


O sonho dos governos de Lula e Dilma, de usar o pré-sal para impulsionar o nosso desenvolvimento econômico e social, está sendo sepultado sob as águas do Atlântico. De leilão em leilão, de decreto em decreto, estamos sendo condenados ao eterno atraso, sem refinarias, sem estaleiros, sem indústria nacional, sem tecnologia, sem Petrobrás, importadores de gasolina e diesel. E ninguém parece estar tomando conhecimento disso.


As nossas universidades públicas, orgulho dos governos progressistas, estão em acelerado processo de desmonte, com cortes sistemáticos de recursos. O plano dos golpistas, claramente, é asfixiar o ensino superior público, sucatear as universidades gratuitas, inviabilizar o seu funcionamento, para que elas encolham e agonizem, para que as mais frágeis delas fechem as portas e o que o restante, o que sobrar, se ajoelhe perante os bancos privados, verdadeiros donos do Brasil, em busca de umas migalhas de financiamento em troca do ensino pago.


O diploma universitário voltará a ser um privilégio dos mais ricos. Aliás, já está voltando: é o que estamos assistindo, de braços cruzados, enquanto centenas de milhares de jovens deixam o ensino superior por falta de meios de subsistência, com o corte das bolsas de estudo que garantiam sua condição de estudantes.


Os direitos dos trabalhadores, a maioria deles conquistas que remontam às lutas da primeira metade do século 20, estão sendo destruídos, sem choro nem vela, por uma burguesia voraz, predadora, perversa, que prefere o fascismo a admitir um mínimo de benefícios sociais para a massa de despossuídos. Os sindicatos, principal instrumento de defesa da classe trabalhadora, marcham silenciosamente para a extinção, exaustos, falidos, sem ânimo para a resistência, hoje mais necessária do que nunca. E a multidão indiferente, bestificada, vibrando na cadência da narrativa ufanista dos galvões buenos.


Desemprego em massa, milhões de novos desesperados no olho da rua todos os meses, em meio à maior epidemia de falências de empresas em toda a nossa história -- e ninguém diz nada.


Lula, o maior líder popular brasileiros em todos os tempos, o melhor de todos os nossos presidentes, vai completar três meses na cadeia, condenado injustamente por um bando de canalhas, e ninguém, salvo um punhado de bravos, faz qualquer coisa em sua defesa...


Mas nada disso importa diante da grande pergunta, se Neymar será capaz de recuperar o seu talento, erguer-se finalmente em campo e levar a nossa pátria idolatrada ao retumbante triunfo. Esse é o foco de todas as atenções nestes dias de tragédia e de infâmia.


Até mesmo meus companheiros mais conscientes, mais combativos, alguns dos que eu mais admiro, se deixaram seduzir pelo grande circo do futebol.


Não se fala de outra coisa, não se pensa em mais nada, o país inteiro transformado num imenso rebanho marchando passivo para o matadouro. "Vida de gado, povo marcado, povo feliz"...


Uma vitória da seleção brasileira na final da Copa do Mundo será a apoteose da insensatez.


Tô fora dessa.


*Professor de relações internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) - via https://www.brasil247.com

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