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Homenagem a Mário Barbará


Por Juremir Machado*


Mário Barbará morreu aos 63 anos de idade. Não o conheci pessoalmente. Mas sempre fui seu fã. Toda vez que ia a São Borja, de onde ele era, eu queria saber dele. Para mim, oriundo da campanha e marcado pelo imaginário gauchesco, Barbará foi uma espécie de Cyro Martins da música. Ele e o autor da “trilogia do gaúcho a pé” expressaram perfeitamente o drama do êxodo rural. Quando visito Palomas, cantarolo em silêncio “Desgarrados”, canção na qual um mundo perdido se descortina, dando-se a ver na tristeza do desaparecimento.


Para quem vem desse universo, no qual viveram e morreram avós, pais, tios, primos, vizinhos e amigos, como não se emocionar com estes versos: “Cevavam mate, sorriso franco, palheiro aceso/Viravam brasas, contavam causos, polindo esporas,/Geada fria, café bem quente, muito alvoroço,/Arreios firmes e nos pescoços lenços vermelhos”? Mario Barbará cantou um modo de viver, uma maneira de se comportar, um jeito de estar no mundo: “Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno/O milho assado, a carne gorda, a cancha reta/Faziam planos e nem sabiam que eram felizes/Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho”. A campanha nunca sai da gente. É marca com ferro em brasa.


A letra de “Desgarrados” foi composta por Sergio Napp. Barbará fez a música. O conjunto impregnou Barbará e dele se impregnou. Sergio Napp contou à imprensa uma história curiosa: “Sou das Missões, mas nunca tive vivência campeira. Pensei no tema do êxodo rural, mas, como já havia sido tratado no festival, quis fazer algo diferente. Fui a um show do Musical Saracura com participação do Barbará. Gostei da voz dele e fui procurá-lo. Entreguei a ele três letras, entre elas, Desgarrados”. Barbará teria hesitado por querer se desvincular do nativismo. Na hora, a origem falou mais alto. Não se foge da terra.


Napp foi um grande compositor. Barbará encarnou tão bem “Desgarrados” que chegamos a atribuir a ele a autoria total dessa música. Por que penso nele e não em Napp quando ouço em qualquer voz este refrão: “Sopram ventos desgarrados carregados de saudade,/Viram copos, viram mundos,/Mas o que foi, nunca mais será/Mas o que foi, nunca mais será”? Deve ser a força do intérprete. Quanta poesia e musicalidade nessa parceria! Na minha lista das dez maiores músicas gaúchas de todos os tempos, “Desgarrados” está sempre bem colocada.


Conheci o êxodo rural na periferia das pequenas cidades do interior do Rio Grande do Sul. O bairro Wilson, em Santana do Livramento, sempre foi para mim um pedaço de um livro de Cyro Marins com fundo musical de José Mendes, Teixeirinha, Gildo de Freitas e, numa versão mais sofisticada e melancólica, de Mário Barbará. A voz dele ecoa sotaques da minha infância. Nela, reconheço timbres, esperanças, trejeitos, “bromas” e poesias. Mario Barbará tratava-se de um câncer em Porto Alegre. Terei cruzado com ele em alguma quebrada? Nós, da fronteira, podemos adotar uma hastag #somostodosdesgarrados. Foi-se um poeta. Ficam a sua poesia, a sua música e a sua bela voz. Fica essa certeza de que ele viveu a sua utopia em timbres e acordes.


*Jornalista - via Correio do Povo


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