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A história do Coronel assassinado três dias depois do golpe de 1964


Fernanda Canofre, no Sul21*


Passava das 21h do dia 4 de abril de 1964 quando uma rajada de tiros rompeu o silêncio e ecoou nas paredes do prédio principal do atual V Comando Aéreo Regional (Comar), na cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre. Em seguida, veio um disparo sozinho, parecido com o estouro de uma espoleta. Vinha de uma arma de calibre pequeno, um revólver calibre 32, bem diferente da primeira arma a disparar. Poucos minutos depois, da sala do comando, onde ficava o gabinete do Brigadeiro responsável, o Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro saiu carregado e deixando um rastro de sangue.


Três dias antes, o governo de João Goulart havia sido derrubado por um golpe militar. Num momento de polarização ideológica, o presidente representava “o perigo comunista” que precisava ser detido. Com notícia de que uma armada dos Estados Unidos já estava mobilizada para apoiar os golpistas, no dia 2 de abril, Jango decidiu deixar o país e evitar uma guerra civil. Pelo dia 4, o Marechal Humberto Castelo Branco já estava empossado na Presidência.


Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, logo depois da rajada de tiros, o Tenente Coronel Avelino Iost, 39 anos, amigo próximo do Coronel Alfeu, se viu cercado. Cinco oficiais, empunhando armas mais modernas que as normalmente usadas pelas Forças brasileiras, apontavam para ele. Quando ergueu os olhos, viu Alfeu sendo carregado pelas escadas. Ele ainda não sabia que os ferimentos eram fatais.


Cinquenta e quatro anos depois daquela noite, Seu Avelino não lembra quantos tiros atingiram Alfeu. Apenas que todos foram na região do tronco. “Eles atiraram pra matar mesmo. Quando ele desceu a escada, a quantidade de sangue era tão grande… Não tinha como. Vi descer até um trecho, mas eu não sabia ainda que o ferimento era mortal”.


Nem ele, nem o amigo tinham ideia naquele momento do alcance que teria o golpe. Hoje, ele diz que o grupo de oficiais enviado do Rio de Janeiro para fazer a transmissão do cargo de comando já veio pronto para eliminar o Coronel que poderia trazer problemas no futuro. “Queriam era matar ele. Era sempre uma pedra no sapato, porque ele não era de dobrar opinião”, diz.


Conhecendo o temperamento do amigo, ele afirma que “seguramente, Alfeu disse alguma coisa”. Mas que tem certeza que não foi ele quem sacou a arma primeiro, como o regime afirmou por anos. Mais de meio século depois, uma decisão de dezembro de 2017 do juiz Fabio Hassen Ismael, da Justiça Federal, sobre uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União, confirmou o que Seu Avelino repetiu a vida inteira. A morte do Coronel Alfeu teve motivação político-ideológica, “em contexto de violação a direitos humanos”, por não concordar com o novo regime.


A versão apresentada pelo inquérito do regime, alegava que o major que matou Alfeu havia disparado por legítima defesa, quando este puxou sua arma. Ele foi absolvido pelo crime. Depoimentos de testemunhas e análise das armas usadas, porém, levaram à conclusão de que “a vítima só teria empunhado sua arma após receber os primeiros tiros disparados pelo oficial, que estaria fora de seu campo de visão”.


O juiz determinou ainda que a União retifique os dados de registros civis, militares e da Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Infoseg) sobre o caso. A decisão ainda pode ter recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.


Para Seu Avelino, porém, que ainda vive no centro de Canoas, é apenas um capítulo de justiça na longa história de resistência que ele viveu junto ao amigo. (...)



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