Marisa Letícia: Decisão do tribunal é indigna e viola direito humano básico
Por Joaquim de Carvalho*
Leia o que diz o artigo 397 da Lei 11.719/2008:
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV – extinta a punibilidade do agente.” (NR)
Leia agora o artigo 107 Penal:
Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:
I – pela morte do agente; II – pela anistia, graça ou indulto; III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV – pela prescrição, decadência ou perempção;
V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
(…) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
Os advogados de Marisa Letícia, falecida em fevereiro, queriam que o Tribunal Regional Federal da 4a. Região (Sul) revisse a decisão do juiz Sergio Moro, que se recusou a declarar a absolvição sumária de Marisa Letícia — nos termos da lei.
O Tribunal negou o recurso da defesa de Maria Letícia.
“A memória dessa (sic) pessoa está salvaguardada. Falecida, cessa-se qualquer juízo”, disse Victor Laus, um dos três desembargadores que julgaram o recurso, na 8a. Turma do Tribunal.
Cessa?
É só ler a caixa de comentários do G1 para saber que não cessa: Marisa está sendo ofendida, sem direito à defesa.
Para eles, a decisão do TRF 4 confirma o que esses comentaristas raivosos sempre disseram: a esposa de Lula é desonesta. Como sabem? O Tribunal não quis declarar sua absolvição.
Marisa Letícia não pode mais se defender, em um processo no qual se tornou ré no processo depois que o juiz Sergio Moro divulgou as interceptações de conversas privadas dela — uma, em que diz ao filho que os manifestantes pró-impeachment deveriam enfiar as panelas no local que ela julgava mais adequado.
Foi uma opinião pessoal, dita no âmbito familiar, mas, ao vazar a conversa, para o Jornal Nacional da Rede Globo, Moro foi responsável pela repercussão que, sem dúvida alguma, causou danos a ela.
Moro, portanto, ao vazar a conversa, já impôs uma pena a Marisa Letícia.
Lembre-se: na ocasião, ela não era acusada de nada e, ainda que fosse, uma conversa pessoal não pode ser divulgada.
Moro deveria ser punido por isso. Mas não.
Quando Marisa Letícia morreu, ele deveria declarar a sua absolvição.
Não reduziria o dano que causou, mas pelo menos aplicaria a lei.
Mas não.
Preferiu apenas declarar a extinção da punibilidade.
Fez o óbvio — como puniria uma mulher falecida?
Mas sua obrigação era fazer a declaração sumária de absolvição.
Por quê?
Para que nunca houvesse dúvida sobre a conduta dela.
Este é o princípio da lei:
A dúvida, sem uma sentença que a afaste, é sempre uma condenação.
A presunção de inocência é um direito inerente ao ser humano.
Ao se recusar a cumprir a Lei 11.719/2008, Moro evitou a manchete que contrariaria o enredo da Lava Jato: Marisa Letícia absolvida por Moro.
Ele nunca o faria.
Seria negar-lhe a essência do que talvez considere sua missão.
Condenar petistas, com ódio e requintes de crueldade.
Preferiu continuar a perseguição, agora de um cadáver.
Para sempre, pairará a dúvida.
Marisa era inocente ou culpada?
Nunca se saberá.
Portanto, sua decisão contraria princípios básicos de direitos humanos.
Por isso, a decisão de Moro equivale a uma condenação.
Moro não tem limite e quem lhe dá espaço para agir assim é o Tribunal Regional Federal do Sul.
São todos iguais.
A decisão de hoje é incompatível com o conceito de Justiça.
Indigna.
*Jornalista. Via DCM (Diário do Centro do Mundo)